A Liv Up tem uma cultura muito forte, que une ser “mão na massa” com “jogar como um time” sempre “fazendo a coisa certa do jeito certo”. Esses são alguns dos valores. Eles são amplos, mas conseguiam unir times tão diferentes como Logística e Branding - a empresa inteira de fato compartilhava deles.
Dentro de Produto & Tecnologia, por sermos o maior time administrativo e que trabalha em núcleos parecidos (squads multi-disciplinares), quisemos desdobrar mais isso e entender como promover a cultura que queríamos. Daí nasceu esse documento Cultura Produto & Tech - Liv Up, que elabora a visão de como nossa cultura se estruturaria.
Usamos isso para tomar decisões, criar rituais, contratar e promover pessoas. Mas em determinado momento começaram a surgir “problemas culturais” — tensões, entre como a gente esperava que o time se comportaria vs. como o time de fato agia.
Inspirados por ideias modernas e famosas de organização, como o Reinventing Organizations e Organizações Orgânicas, ou o Netflix Culture Deck e o clássico video do Spotify Engineering Culture, enxergamos nosso time (na época por volta de 40 pessoas em 2020) como um sistema complexo, orgânico, difícil de se moldar “top down”. Ou seja, não bastava falar sobre cultura ou usar práticas behavioristas (punir ou premiar comportamentos). Precisávamos entender melhor os incentivos e promover mudanças no sistema sabendo que os resultados não seriam simples de avaliar.
A primeira solução foi engajar o time para discutir isso. Criamos um forum quinzenal com todo mundo que gerisse pessoas ou tivesse uma posição de liderança direta ou indireta (ex: PMs). Ele era uma reunião dividida em 3 etapas:
- Listar tensões — qualquer pessoa poderia trazer uma tensão (uma diferença percebida entre o que ela esperava vs. o que acontecia). O único limitante era ser em 2 palavras (a ideia não era discutir aqui, só listar, dar vazão)
- Processar tensões — após listadas, aí sim passávamos uma por uma, com a pessoa explicando, o grupo discutindo, e a pessoa que trouxe com o poder de decisão da solução (somos protagonistas afinal)
- Celebrações — finalizávamos a conversa trazendo visibilidade de coisas legais do período e fechando bem essa reunião que pode ser difícil. Geralmente era antes do almoço e saíamos para almoçar juntos (pré pandemia)
Melhoramos muita coisa com esse processo, desde mudar como gerenciávamos bug reports e como mostrávamos resultados na weekly geral da Liv Up até mudar quem participava de algumas reuniões e criar uma rotina de atualizar o time sobre conversas do time executivo ou de reuniões do board.
Mas ela também não foi suficiente. Começamos a perceber que algumas tensões, alguns comportamentos, eram mais complexos de serem mudados e dificilmente evoluiriam de maneira bottom-up.
Então, criamos um forum apenas com as lideranças seniors para mapear comportamentos.
Começamos listando todas as reuniões recorrentes dos times de Produto & Tecnologia, quem participava delas, quais ferramentas utilizávamos (OKRs, KPIs, trilha de carreira, etc).
Depois, listamos todos os comportamentos que gostaríamos de mudar ou incentivar mais. Para cada um desses, (i) explicamos o que estávamos enxergando vs. o que gostaríamos, (ii) mapeamos todos lugares onde a gente incentivava vs. desincentivava o comportamento ideal e (iii) levantamos os riscos (tradeoffs) de fazer essa mudança. E então priorizamos. A lista foi exatamente essa:
- Consentimento > consenso
- Outcome > output
- Evolução > revolução
- Não evitar conflitos
- Mais protagonismo
- Transparência ativa
Decidimos começar pelo problema do Consenso. A base da nossa pirâmide cultural é a comunicação e a segurança psicológica e um dos valores da Liv Up é “jogar como um time”. No começo da Liv Up, como na maioria das startups, todo mundo tá junto em volta de uma ou duas mesas e consegue participar de tudo. A sombra desses fatores é que muita gente queria estar envolvida em muita coisa e, quando vimos, as decisões estavam lentas, sub-ótimas (consenso é péssimo para decisões de inovação, porque tende à decisão de menos risco da maioria) e reduzia a responsabilidade individual (protagonismo).
O mapa de onde incentivamos e onde desincentivamos ficou assim:
Onde incentivamos
- Hiring (processo mais claro de como e quem toma decisão)
- Processamento de tensões (todos que trazem uma tensão são responsáveis por trazer uma proposta de solução)
- Decisões com escopos claros (ex. time de portfólio decide as categorias nova
- "Blz, a gente vai assim, se der merda a gente troca" (postura positiva de algumas pessoas e lideranças do time)
Onde desincentivamos
- Não temos estabelecido como algumas decisões são tomadas → "quem decide isso?". Fica solto e tende ao consenso
- Não temos explícito o escopo de decisão de áreas/times/papéis (AORs)
- "Envolver tech em tudo” — frase comum que incentiva a participação de engenharia, às vezes exageradamente
- Guilda de arquitetura (começou com quase o time tech inteiro e sem processo claro de tomada de decisão - discussões infinitas)
- Retrospectivas - Agrupar e votar (democracia / consenso)
- Sempre que aceitamos a resposta "O time tem que decidir" - nem sempre, e o time não é uma pessoa (alguém tem que decidir)
- Priorização por workshop no Miro com votação
- "Podemos testar" / “Faz um teste A/B” - fugir da decisão
- "Vamos marcar uma reunião pra discutir isso melhor" - fugir da decisão
Obs: é interessante ver umas cagadas que fazíamos depois que passa alguns anos :)
Ao invés de decidirmos juntos como seguir de maneira consensual, a Tatiana Ottenio (que me substituiu como CTO) ficou como responsável de estudar o problema e trazer soluções.
Algumas soluções emergiram naturalmente da conversa, como no dia a dia explicitar quem deve tomar alguma decisão e não aceitar mais a resposta “o time tem que decidir” (o time não é uma pessoa, é sempre 1 pessoa que decide).
As duas principais ações que saíram disso foram:
- Uma palestra da Tati sobre tomada de decisão, contextualizando da onde vem o consenso, quais os tradeoffs disso, quais são outros processos de tomada de decisão, reconhecendo onde estávamos na época e para onde queríamos ir (consentimento)
- A ideia foi conscientizar o time da situação e trazer ele junto para a mudança
- Uma ferramenta para redirecionar e corrigir a rota das discussões toda vez que elas começavam a escorregar para o consenso, que é uma simples frase: “é seguro tentar?”
- Ao invés de todos terem que concordar, todos devem consentir. As pessoas participam, mas uma decide.
A frase viralizou dentro dos nossos times e em poucas semanas o comportamento mudou. Passamos a tomar decisões muito mais rápidas e melhores e a ter menos discussões homéricas. Ninguém reclamou de não participar ou não se sentir ouvido. As mudanças foram um sucesso.
Não existia um culpado, uma pessoa que sempre insistia em discutir. Era cultural. Surgiu desse início de startup e da intenção de fazer as pessoas se sentirem parte. E funcionava. Até a hora que parou de funcionar.
Isso nos motivou a continuar enxergando nossos times como um sistema complexo, vivo e a atuar de maneira intencional na evolução dele. Gosto da analogia do Alex Komoroske de nos enxergar como jardineiros, abraçando o caos natural e dando estímulos pra gerar um jardim forte, bonito e saudável.
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